Paranormal Acidental
Há um quarto que está sempre escuro, na minha casa. É o quarto onde estou agora. É o quarto dos computadores. Há sempre um cheiro a electricidade, uma panóplia de aparelhos que rodeiam o portátil onde escrevo. De vez em quando alguém entra e acende a luz.
Ao meu lado alguém vê o 'Memento'. Ontem à noite deixei-me ficar até o mais tarde possível. Ainda depois de chegar a casa tentei ficar acordado, de luz acesa. Sei que devia dormir, mas não queria; apetecia-me pensar. O sono acabou por me ultrapassar, e perdi os meus semi-embriagados pensamentos. Nada de mais, mas apetecia-me pensar, como se hoje já não soubesse pensar como ontem.
Dos meus sonhos não me lembro, é raro isso acontecer, mas quando me lembro sinto-me dentro de um filme realizado pelo David Lynch com argumento do Fellini. Há então uma ansiedade ao acordar, uma espécie de ressaca emocional derivada da conjunção de vários factores. Somos expostos a nú a nós próprios e fazemos ligações que doutra forma não seriam feitas, muitas vezes potenciadas por elementos exteriores às hormonas. No fundo temos medo de nós próprios, da nossa complexidade que por vezes assumimos como simples.
E fui escrevendo, no quarto que está sempre escuro, ou com a persiana fechada ou porque o dia finda agora. A escrever já ouvi Birthday Party, Charlie Chaplin, os pássaros numa praça cheia de sol de inverno que ao longo da tarde se foi tornando com sombras; ouvi os sorrisos das pessoas que comigo estavam. Ouvi os 'Amigos de Gaspar'.
O Memento passou. Há o vulto da minha irmã a dormir na cama atrás de mim, o escuro é total. Não a vejo, mas vejo-a tão bem.
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