O roupeiro escangalhado
Dou por mim a empacotar tudo de novo. A vida que acumulei durante quatro anos volta a caixotes. Os mesmos em que veio. Lixo, lixo, lixo. Desfaço-me daquilo que tenho sem o menor pejo, deito fora coisas que em tempo achei importante guardar.
Desfaço-me de uma vida que já pouco me diz. No armário perto do computador está um documento de trezentas e dezanove páginas que me vai levar daqui para fora. No chão espalha-se lixo, maioritariamente papeis e postais, na parede um sinal roubado numa noite de bebedeira. Começa tudo a ficar despido, também eu me sinto despido e meio acabrunhado: vou deixar uma fase de quatro anos. Uma fase que não me leva à idade adulta, apenas ao pós-adolescentismo. Mas não é mau estarmos despidos, temos sempre a possibilidade de vestir uma nova roupa, ou uma mais confortável, tudo depende onde queremos chegar.
E instala-se a dúvida, minha pelo menos. Que roupa vestir? O roupeiro abre-se à nossa frente e não nos conseguimos decidir pela roupa que queremos usar, a pose que queremos assumir. A mais confortável é a mais comodista, a mais independente é a mais interessante, a mais formal é a mais empertigada e por aí afora. No cantinho do roupeiro está uma roupa que nunca gostámos muito. Aquela, que muitas vezes experimentamos em casa e nunca saímos com ela. Aquela, que todos nos dizem que nos fica bem, mas que nunca temos bem a certeza e não arriscamos; mas às vezes dizem-nos a mesma coisa tantas vezes que nós acabamos por acreditar. Quer para o bem, quer para o mal.
Vesti umas calças de ganga, um t-shirt com um boneco verde e uns sapatos vermelhos. Aquela roupa já não está no cantinho do roupeiro, está no lugar de honra, bem ao centro. À espera do dia em que vou ter coragem para a vestir porque já sei que me fica bem.
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