Saturday, June 11, 2005

O fim das minhas papoilas

Sinto as pernas doridas, sinto o corpo a queixar-se dos abusos dos últimos dias. Sinto que os olhos se querem fechar a cada momento, nas horas seguintes ao almoço, em que a conversa e o café encaminham para dolência das tardes alentejanas. Ganhei uma nova vista da janela do meu quarto, em vez da cidade que se entregava a meus pés, tenho agora uns quantos quintais nos quais vejo mães gordas a estender a roupa.
“Olá vizinho” gritam.

Não estou nada bem disposto, estou cansado. Respondo:
“Vá à merda, deixe-me em paz!”
Mentira, faço um sorriso amarelo e respondo “Olá” timidamente. Idiota, mal sabes que há dez anos atrás te roubava laranjas e tu me ameaçavas com a vassoura. Deixa-me em paz. Mas respondi:
“Olá, está boa? Que me diz deste calor?” Idiota sou eu, iniciei uma conversa de ocasião que detesto. E lá vou ficar debruçado da marquise a conversar e a pensar nas caixas fechadas que estão atrás de mim.

O meu quarto ficou arrumado, algumas caixas nem sequer foram abertas a pensar numa outra mudança, aquela que me vai levar para longe do alentejo.
Hoje de manhã deixei-me ficar deitado a rebentar bolinhas de ar daquele plástico que envolve o conteúdo das caixas que dizem “FRÁGIL” e a pensar numa mensagem que há dias enviei; dizia que arrumar caixas era uma boa metáfora para a minha vida actual, também me estou a arrumar por dentro. E não é que era mesmo verdade?

A vizinha já percebeu que eu não quero conversar mais, que só me encontro debruçado por boa educação. Diz-me adeus e vira as largas ancas, protuberante barriga e as mamas de amamentar para o alguidar da roupa lavada. Eu volto para dentro, triste porque já não posso ver as minhas papoilas.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home