O primeiro fim e o segundo começo
A quarenta e sete quilómetros de casa, fumei o meu último cigarro. Um Camel cravado ao amigo que ia ao meu lado. Já a viagem ia longa e o sol começava a arrefecer, assim como o Verão após o solstício.
Estavam findas mais de sete horas de viagem quando decidi que era altura para deixar de fumar; descobri também que gosto de viajar de carro, longas viagens, apesar de muito cansativas. O acto de deixar de fumar não é isolado, tem mais do que o esquecimento do simples acto de tirar o filtro, a mortalha, algumas gramas de tabaco e enrolar o cigarro. Não é o esquecimento destas acções, que nos últimos anos se tornaram automáticas, que irá mudar algumas coisa. O facto de já ter mudado é que influencia a ausência das acções. Podia continuar a fumar, mas não quero.
Terminou a quarenta e sete quilómetros de casa uma fase da minha vida; uma das mais penosas e turbulentas, embora tenha já tido contornos de paz no fim. Faltava ainda o derradeiro golpe, aquele que me faria ver o que era preciso ser visto.
E visto isto, fumei o último cigarro, esmaguei-o o cinzeiro, uma metáfora inútil no momento em que o fim romanceado e o fim real aconteciam ao mesmo tempo e eram o mesmo tempo e aconteceram.
E rompidos os primeiros quarenta e sete quilómetros do segundo começo, lavei-me.
Um banho longo para lavar e levar os “blues” para bem longe, porque embora eles já tivessem ido, encontraram agora um local onde podem estar, onde quero que estejam, para os lembrar, para os sentir sempre que necessário.
Mas para não me acompanharem sempre.
2 Comments:
"Podia continuar a fumar mas não quero..."; a deixa-chave deste guião que escreveste para uma curta-metragem virtual.
O fumo do "último cigarro" passou qual núvem lenta, por este post.
Os não-fumadores agradecem; os outros...vais tê-los á perna.
Vou tentar comentar... mas primeiro, o ritual será idêntico... vou pegar numa mortalha, das pequenas porque as maiores seriam pra outra coisa que troquei por alcoól, vou colocar-lhe algumas gramas de tabaco, e finalmente um filtro... acendo, hummm... prazer oral...
Gostei dessa coisa de... romanceado Vs real, onde acaba uma e começa outra não sei, apenas sei que vivo, e quero viver sistemáticamente na primeira, em tudo. É que a segunda angustia-me... a primeira dá-me prazer, como o teu blog! Parabéns!!!
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