Wednesday, July 27, 2005

Violência da Existência

Senti a dor de cabeça a chegar, com a certeza da nuvem que cobriu o sol durante segundos. Ainda me tentei convencer que não duraria muito e que com a mesma rapidez que a nuvem cobriu e descobriu o sol, também o latejar duraria o tempo da nuvem a cobrir o sol.
Mas a nuvem cobriu e descobriu o sol mais um sem fim de vezes ao mesmo tempo que a minha dor de cabeça se mantinha constante, com uma aceleração de 0. Se tivesse acompanhado a nuvem e o sol, seria uma excelente enxaqueca.

A noite ontem não estava fadada para ser perfeita; um cinema romântico, um pulinho a um bar e depois. O cinema até correu bem, estávamos de mãos dadas, o peito subia e descia com exaltação; não das peripécias vividas pela moça que ansiava pelo seu amor, mas sim pela violência com que o Mickey Rourke esmagava a cabeça de um informador contra o macadame com o carro em movimento. E uma continuação de outros fait divers, o Bruce Willis a desfazer uma cara amarela com os punhos – algo a que já nos habituou – excepto a parte colorida, o Elijah Wood a ser comido por um cão após lhe terem sido cerrados as pernas e os braços, uma prostituta feita Uma Thurman com sabres e estrelas da morte em forma de suástica.
Acabou o filme num clima não apropriado ao romance. Chovia, chovia tanto. Bem, a chuva é romântica, ainda podia salvar a noite. Sugeri:
«Então, vamos dar um saltinho aos artistas?»
“Mas está a chover...”
Merda, ir a esse bar implicava mais de dez minutos a pé, garantindo um bom lugar para o carro perto da baixa. Valia pela decoração, pelo jazz, pela Audrey Hepburn com o cigarro e a boquilha, pelo Marlon Brando no «Apocalipse Now», pelo Robert de Niro no «Taxi Driver». Mais os mojitos, as caipirinhas e o jazz.
“Vamos para casa, está a chover.”
Chuva romântica para a puta que a pariu. Dava uma facada no bucho a quem me dissesse isso agora. Porque ir para casa implicava casas diferentes. Anuí cobardemente,
«Está bem.»
Parou o carro perto da minha casa. Ainda ficámos algum tempo dentro do carro a conversar, a misturar lábios, a disciplinar mãos. Na rua as pessoas olhavam para nós com olhares reprovadores, alguns com olhares de conhecimento da situação. Mas como assim poderia ser, se eles eram velhos desdentados? Nem os olhares reprovadores compreendia, quanto mais os outros.
Um carro passou em frente ao nosso estacionamento três vezes.
Será que os moradores da zona do técnico são todos tão conservadores quem nem um casal de namorados se pode despedir?

O sol voltou e desapareceu novamente. Mas a dor de cabeça mantém-se imutável.

2 Comments:

Blogger 索菲娅 said...

Ai como escorregavam bem os mojitos a beira mar pelo dia e noite "adentro"....Cuba i miss you, see you soon!!!

Os mirones são uns parasitas que se deleitam com o prazer dos outros!!! Mas cada um tem as suas taras e manias, e ai de alguém que atire a primeira pedra!!

bxox fi@veis

4:52 PM  
Blogger Alberto Oliveira said...

Há dias e noites que por muito que se esconjurem os demónios, não há nada a fazer. Está escrito e acabou-se. Outros dias e noites se seguirão que o melhor é dar de ombros, esmagar a ponta de cigarro sob o sapato antes de abrir a porta, olhar o papagaio ao fundo na cozinha como se fosse a primeira vez e adormecer com a sombra de Mickey Rourke a entrar pelo sonho adentro.
Amanhã estás melhor; de certeza.

7:32 PM  

Post a Comment

<< Home