Fumble
Pensei que era meio dia quando eram ainda nove; e quando julguei que tinha ultrapassado todos os limites do aceitável, que era uma da tarde, levantei-me. Eram dez e vinte da manhã.
Encontro-me em sonhos muito estranhos ultimamente, algumas cidades desconhecidas nas quais eu ando como se de há muito fossem amigas do peito. No entanto as pessoas tinham a cara esfumada, algo bem mais forte e intenso do que a técnica em que Da Vinci tão bom se tornou. Parecia, de certa forma, que vivia nesse ambiente, uma espécie de poluição a preto e branco, em que as pessoas, eu incluído, nos dissolvíamos no ambiente por este ser tão denso e carregado. Custava-me ver os meus próprios dedos quando esticava os braços para a frente e só percepcionávamos os objectos quase em cima deles. Mas isso não era problemático porque todos andávamos a pé, não havia o perigo de carros ou outros meios de transporte. As pessoas sabiam, intuitivamente, quando alguém se aproximava, e desviavam-se sempre para o lado correcto.
Esta semana fui a um jardim onde fumei um cigarro; um jardim ao pé de um templo romano, coloquialmente chamado o jardim dos namorados. É verdade, havia mesmo muitos casais de namorados que se beijavam sofregamente sob a copa de árvores cujo nome desconheço; casais de quinze, dezasseis, dezassete anos. Olharam para mim com desconforto, porque estava sem par, porque vinha fumar um cigarro e sentir o vento na cara. Suponho que entre eles haja um acordo tácito, de que se podem beijar a cinco metros de distância, mas que não se podem cobiçar uns aos outros, nem sequer olhar. Não conversam uns com os outros, apenas se beijam sofregamente, porque não há mais lugar algum em que o possam fazer.
Unem-se, olham para mim com os olhos coruscando quando irrompo pelo jardim, interrompendo os seus momentos de desabrida paixão, para fumar um cigarro e sentir o vento na cara. Mas não quis saber de os interromper, quis fumar e sentir o vento na cara.
Ontem aprendi uma palavra nova, em inglês: fumble. Há muito que a já conhecia, de uma canção que gosto muito. Gosto do som da palavra, parece que se enrola na língua, é muito sensual. Aprendi ontem à tarde, deitado na cama a ver um filme do Woody Allen. Acariciar.
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