Perversa é a linha do pensamento
Dei por mim numa fila, apenas há poucas horas atrás. Depois dessa fui para outra e por fim, uma última fila. Parece-me natural pensar que oiço a conversa dos outros, não por natural curiosidade à vida alheia, mas sim porque ando sempre sozinho e não tinha ninguém com quem partilhar a minha solidão vespertina.
Pouco tempo tive com atenção à conversa dos três rapazes que à minha frente se encontravam. Preversa é a linha do pensamento; reparei na marca das calças que em dos rapazes usava. Nada de mais, simplesmente era um marca que eu usei, que me levou de volta a um período da minha, período que teve lugar há pouco menos de quatro anos. Passei a tarde de volta de recordações, de atitudes, de formas de pensar, de música que ouvia. Daquilo que considerava prioritário e agora é obsoleto, da forma como eu mudei nestes anos.
Numa das filas passaram-me à frente com a justificação que tinham chegado à loja primeiro que eu, mas que não tinham entrado porque estavam a ver a montra. Quase nem dei conta de isto ter acontecido - e se tivesse dado mudaria alguma coisa? - estava mesmo absorvido naquilo que foi a minha vida até agora.
Desde o tempo em que andava de baloiço no quintal de trás da minha avó, quando fui para escola primária, o ciclo, o primeiro beijo, o secundário, a primeira vez que tive sexo.
Não consigo perceber até que ponto é que estou feliz com o que a minha vida foi, simplesmente estou feliz com o que ela é. Mas em cada momento que passei, sempre pensei que estava a viver as coisas de acordo com aquilo que era realmente importante, com as prioridades muito bem definidas. Realizo agora que o não fazia. Fál-lo-ei agora? Acho que sim, mas poderei não achar o mesmo daqui a quatro anos, assim é agora, passados quatro anos. Há quatro anos atrás tinha dezanove anos.
Em meses cresci anos, não sou o primeiro a dizer-me isto. Talvez daqui a quatro anos ache que há quatro anos atrás não tomei as decisões erradas e esteja mais feliz do que agora estou, talvez não seja necessário esperar tanto tempo para perceber que as minhas opções de agora são as correctas.
Perversa é a linha do pensamento, tão perversa.
Fui puxado à realidade com um «O que deseja?» ao qual respondi «Modelo 54 por favor.»
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