Acordar
A primeira pessoa com quem falei ao vivo disse-me «Estás com um ar de merda.»
E não é que estava mesmo?
Já tinha falado com algumas pessoas antes de ouvir este comentário, mas estas não me tinham visto, estávamos à distância de ondas magnéticas. Depois de acordar tinha passado quase três horas sem falar, nem sequer tinha tido vontade de comunicar comigo mesmo. Sentia o corpo cansado e pesado.
A primeira voz que ouvi era rouca como a minha. Era rouca mas conseguia reconhecer nela o calor que me aquecia – porque há calores que sabem sempre bem, quer seja Inverno ou Verão.
Depois disso fiquei sem falar outra vez. Andava de um lado para o outro, na casa, a pensar. Pensava no acordar, no despertar.
Voltei a falar, a abrir a boca, a articular palavras. À mesma distância.
“Meu Deus, como precisava que aqui estivesses.”
Precisei de um cigarro; corri à mochila onda nada encontrei. Pela primeira vez comuniquei comigo, lembrando-me que tinha deixado fumar e como há decisões que não têm ponto de retorno, pensei que talvez tivesse sido uma não muito boa altura para deixar de fumar.
Lembrei-me um filme que me faz sorrir e senti-me conivente com o personagem principal. Porque há uma altura em que ele está vestido, dentro e uma banheira e chega a mulher dele que faz um olhar de espanto. Ele diz
«Estava com muita sede.»
E puxa-a para dentro da banheira, onde se beijam dentro de água.
Apetecia-me estar dentro de água e puxar alguém e partilhar os lábios.
2 Comments:
coisa bo-a!...este texto, e a sensação que deixa.Essa cena do filme é uma delícia.
:) bjinho
P.S:a letra da música que deixaste lá no meu canto...obrigada... é do filme 'closer'?
Por vezes precisamos do servidor certo para encenarmos uma situação, um diálogo. O cinema também tem essa função.
Banheira já tenho. Falta escrever o guião.
Post a Comment
<< Home