Sunday, August 21, 2005

A identidade do amor

O amor não é simples. E não é linear como o julgamos. Cada dia que passa descubro mais coisas sobre o amor, descubro que a sua complexidade me assusta: sei que não sou simples, bem longe disso, mas tenho alguma dificuldade em compreender como posso comportar em mim um sentimento tão cheio e tão complexo. Os ardis do amor são terrenos que nunca pisei. Porque para mim o amor é simples linear, gosta-se e pronto. Ou pelo menos era.
Deixou o amor de ser simples; quer dizer, retirei-lhe eu o manto da simplicidade com que o tinha coberto. E encontrei um sentimento cheio de meandros, de ruas sem saída: e de ruas largas.
“Que rua tão torta e tão longa, a do amor
Que vento tão forte lá sopra, é o do amor
Por vezes parece uma rua assombrada
Com sombras de bruxa fazendo fada.”
Escreveram uma vez a propósito do amor infantil.

E o amor começa com contornos complexos e depois simplifica com o tempo; simplifica mas não fica simples.
Penso nisto depois de ter visto o “Closer” de Mike Nichols e de ter lido “L'Identité” de Milan Kundera.

As pessoas separam-se e traem-se e voltam a juntar-se porque não são permeáveis à mudança.
(Mudança é uma palavra que aqui figura muito. Este registo é um registo de mudanças e alterações ao longo de um ano na minha vida. E não hesito a usar a palavra mudança.)

As pessoas mudam todos os dias, as pessoas alteram os seus comportamentos a cada segundo que passa, por influência externas ou por motivações internas, facto é que as pessoas mudam. E as relações evoluem com as mudanças, a paixão deixa de ser paixão para ser amor e o amor deixa de ser amor para ser conformismo. Porque as pessoas não cuidam das suas relações, porque mudam e as deixam morrer, não as fazem evoluir.
E no momento em que o amor se transforma em conformismo, a relação é composta por quatro pessoas, duas reais e duas idealizadas. Não acompanhando a mudança do parceiro, cada pessoa idealiza um outro que já não existe, uma pessoa que ficou presa no passado, que não corresponde ao seu real, cuja identidade está deturpada por um amor morto, ideal, parado no tempo. Ou seja, existem duas pessoas reais e dois eus idealizados que não existem. E dá-se a ruptura do amor, porque confrontados com a sua identidade idealizada há quem sucumba ao conformismo e quem se rebele rompa com a sua identidade idealizada, porque estas não coabitam.

As pessoas mudam e não mudam.
O amor nasce e morre, porque as pessoa se aborrecem de si e dos outros, precisam de se reinventar a cada nova relação. Mas no fundo não mudam. As pessoas, hoje em dia, estão podres e mortas, como maçãs demasiado maduras que já caíram ao chão.

Sinto como se estivesse debaixo de água demasiado tempo. Bebi com avidez o ar que me era oferecido pela superfície. Engoli golfadas de oxigénio até me engasgar.

5 Comments:

Blogger SpiritMan aka BacardiMan said...

O mal é as pessoas terem muitas vidas, e como tal morrem e ficam podres, ou nascem e ficam maduras, vezes sem conta.
Se o amor... a dois, ainda faz sentido não sei, nem sei se alguma fez?!
Acho que, verdadeiramente, nos amamos é a nós próprios, acho que, verdadeiramente, nos cansamos é de nós próprios, e o outro não passa de um veículo que usamos para isso tudo. Nós, eu e o outro, nesta relação... demasiado narcísica! Ainda assim fará sentido chamar-lhe relação!?
Não sei bem que diga, nem tou neste momento com a melhor cabeça pra dizer muito mais, mas parece-me que a partilha, a relação, a solidariedade, o amor, só serão eternos quando os passarmos a encarar tanto no ponto de vista do outro como do nosso, e isto remete para as rotinas, para o saber gerir as rotinas das relações, as relações de anos...

Certo é que todos, na prática, vamos sentindo necessidade de partilhar a vida com alguém, e quem assim não pensa estará a defender-se ou a fugir... olha, não sei.

Mas sái debaixo de água...

7:03 PM  
Blogger mfc said...

Este post é uma reflexão acerca do livro que li e do filme que vi, aliás, os dois bastante explícitos durante o texto.

No que toca ao restante, estou na beira da piscina a apanhar banhos de sol, a beber mojitos e a ser feliz.

11:55 AM  
Blogger Joana said...

Ainda bem então :D Gostei muito desta reflexão. Soube-me bem, talvez porque também tenha estado embrenhada em mudanças no último ano...e mudanças que passam por esses meandros que, na sua essência, são a constatação da não-simplicidade do amor. Todos acabamos por crescer e percebê-lo.
E quanto às maçãs...percebo lindamente a analogia mas felizmente devo andar no bom lado do pomar... porque tenho tido muita sorte naquelas que encontro.
:) Beijinho grande

7:34 PM  
Blogger Alberto Oliveira said...

Infelizmente(?!) o livro do Kundera ainda não li; o "Closer", vi...e ainda não o discuti em grupo, um hábito higiénico que não se tem muitas vezes...ou fora de "universos fechados".
Este filme, na minha opinião, é uma fonte de pistas de discussão sobre o relacionamento humano (e não apenas amoroso/ sexual) na actualidade e nos tempos futuros que se avizinham.
Apetece-me escrever o seguinte:

"sem petróleo, ficámos mais pobres meu amor;
os Iraques, foram a gota de água num oceano de paixões.
assim sendo, como é que te posso amar,
meu amor?"

Bebe mojitos e sê feliz.

2:46 PM  
Blogger Sara MM said...

mmm... para mim o amor nem é assim tao complicado... pq tal como disseste "gosta-se e pronto"...
A complexidade está nas relações... porque essas não existem e pronto!
BJs

2:14 PM  

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