Friday, September 09, 2005

O Adrian Mole e eu

Quis ser escritor pela primeira vez aos treze anos. Mais ou menos na mesma altura em que estava a ler Adrian Mole. Ler os primeiros três livros deixou-me um sabor amargo na boca, porque encontrava, mais coisa menos coisa, o meu retrato. Bem, talvez o retrato de todas as pessoas que têm treze anos e querem ser escritoras.
Era inspirado pele mesma amargura, pela ternura arrogante, pela altivez de quem se julga especial. Com todas as coisas boas e más que vêem aliadas a isso; mais as más que as boas, porque boas não há muitas. Identificava-me muito com Adrian Mole pelo ostracismo a que me votava. E ao mesmo tempo, não queria ser como ele porque ele era xenófobo, racista, imbecil, parvo, pouco inteligente e eu não era nenhuma dessas coisas. (Olhando para trás, acho que era tudo menos racista e xenófobo.)
Os anos foram passando e eu sempre pensei muito no Adrian Mole. Na sua capacidade de escrever, na ausência de vida amorosa, na ignorância a que se entregava. Comecei a achar que talvez fossemos muito diferente – não que a minha vida seja muito interessante para os outros, pelo menos eu sinto-me feliz com ela e quando não me sinto, faço algo para a mudar.

Lembrei-me do Adrian Mole e de mim quando hoje ia na rua, à chuva. Vinha da Culturgest, ao chuvisco e passou por mim uma rapariga que ficou muito tempo a olhar para mim. Não me olhava como se estivesse interessada em ver que roupa eu vestia ou o que é que a minha camisa tinha escrito. Olhava-me fixamente nos olhos, como se quisesse ver-me por dentro, como se estivesse interessada no que me preenchia e não no meu invólucro. Não consegui suportar o olhar que me revirava por dentro, que descortinava e remexia nas minhas entranhas. Baixei os olhos e olhei para uns ténis pretos e brancos e umas calças de ganga que passaram por mim.
E pensei se esta rapariga, que me olhou tão para dentro, me reconheceria quando eu pudesse apenas escrever livros, quando as pessoas lessem aquilo que eu tenho para escrever.
E lembrei-me de um e-mail que me enviaram alguns dias atrás: não dos mais fáceis de ler, mas dos mais bonitos pela honestidade que comportava. Dizia que eu era arrogante e que era uma fábrica de boas ideias subaproveitada; que na ausência da arrogância, seria uma pessoa muito melhor porque saberia receber ajuda que tornaria as minhas ideias muito melhores.
E lembrei-me do Adrian Mole e da sua própria arrogância. Do seu isolamento do mundo, da sua pretensa superioridade. Voltei de novo aos treze anos e não quis ser assim.
Passava por cima do rio Tejo, numa ponte e disseram-me que eu partilhava e que isso era uma das coisas boas em que eu tinha mudado. Lembrei-me do e-mail da minha irmã e do Adrian Mole e das conversas que tenho com a minha Dulcineia. Está na altura de partilhar a ideias, não só sentimentos e espaço.
É bom ter pessoas que gostam assim de nós e nos impelem a ser melhores pessoas e a mudar. E que nos dizem estas coisas com honestidade e sinceridade sem magoar.

3 Comments:

Blogger Joana said...

:)

4:11 PM  
Blogger Nia said...

Para mim, o Adrian Mole é só um miúdo perdido e carente que nos faz rir não por aquilo que diz mas porque sabemos que é um retrato real de um adolescente com tudo em constante mutação, com o mundo a fugir-lhe dos pés tal e qual como a canção do Rui Veloso "Não há estrelas no céu".E é real, humano... o que nos leva a ler a sua história como se de um íman se tratasse.

Agora vou ali ver o que está a acontecer na TV para estar a dar o hino português! Volto mais logo...um dia destes.

11:14 PM  
Anonymous Anonymous said...

Eu lembro-me de ti aos 13 anos. Foi quando te conheci. Já eras "bonito", assim como agora ainda és arrogante. Fica-te bem, porque és TU.

2:58 PM  

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