Longo caminho para casa
Regressei a casa pela porta pequena, pela estação de camionetas, sem ninguém à minha espera, com quinze minutos de caminho a pé porque não estava ninguém para me ir buscar. Estava mesmo sozinho e com o coração apertado.
Tinha o coração apertado por regressar a casa: estes regressos trazem-me sentimentos ambivalentes, sentimentos contraditórios e paradoxais. Gosto de voltar, de sentir a cidade; mas não gosto por ser a cidade que é, por ser pequena de pessoas e caminhos. Quando regresso sinto que sou um filho bastardo que já nada tem a fazer cá, mas que volta porque sente uma espécie de encanto místico, uma qualquer atracção espiritual.
Há dias em que gosto de voltar, em que me sinto bem; há dias em que sinto que sufoco, que a cidade me oprime e esmaga.
Acordei cedo e saí de casa, coma roupa da noite anterior vestida, umas calças sujas, camisola a cheirar a tabaco misturado com colónia. O céu estava coberto por nuvens fininhas, que deixavam passar os raios de sol mais audazes. Outros passariam também, se mais ousados. Tinha chovido há pouco; andei a pé por locais que há muito não via, por caminhos que durante anos fiz e que estavam esquecidos. Lembrei-me do quintal do pastor alemão do qual morria de medo só do ladrar e do cão pequenino que afrontava todas as pessoas que passavam: ladrou tanto, tanto, que nos últimos anos de vida sofria de afonia.
Não sei se me soube bem regressar, está tudo com uma tonalidade demasiado cinzento pálida e tendo eu uma atracção por esse ambiente, não tenho a certeza de que estarei a fazer um juízo honesto. Sinto-me dividido, sinto que a cidade me quer dividir entre aquilo que fui, e aquilo que sou, bom ou mau.
Regressei a casa e fechei todas as persianas de todas as janelas, menos de uma. Voltei para cama e deitei-me a ouvir uma música sugestiva de recordações doces e primeiros beijos. E dormi.
O céu cinzento deu lugar a um sol quente, mas nem por isso lavou o cinzento da cidade. No fundo percebo que estou muito longe de casa, ela não se encontra num local palpável.
3 Comments:
Regressos assim conheços eu, e demasiado bem.
Há espaços com demasiadas coisas lá dentro... e temos de nos desviar delas enquanto caminhamos pelas ruas.
Home is where your heart is.
Quando se está longe de casa sabe bem recolher sobre o eu...na escrita, na música, na parte de dentro de umas cortinas fechadas e que nos remetem para nós e para a casa que nos habita.
Bjinhos
De quando em vez, sabe bem sentir a escrita como nossa; despirmo-nos das outras personagens. Esse é o post mais personalizado que te li. Boa!
...e a Joana acrescenta bem: a nossa casa mora no nosso coração*
*tradução à Legível.
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