Efeito de estufa
Estou a ficar com falta de ar, estou a sentir-me sufocado. As paredes começam a fechar-se sobre mim e no momento em que vão desferir o derradeiro golpe, voltam à posição inicial, como se a sua função fosse assustar-me, ver quando é que eu pestanejava e fechava mesmo os olhos. As paredes estão a fazer comigo um jogo que eu fazia com os amigos quando era miúdo. Simulávamos um murro na cara do outro, sem lhe tocar; quem pestanejasse, perdia. Como é natural, as distâncias não eram bem medidas e cheguei a ir para casa com o nariz esborrachado.
Mas eu sei que as paredes a caírem para cima de mim é apenas uma ilusão óptica, que existe porque tenho estado desde manhã a respirar o mesmo ar, estou a ficar intoxicado com dióxido de carbono.
Na sala há uma cadeira com uma pele de leopardo verdadeira em cima; e dentro de uma arca está a pele de uma cobra. À noite, quando é hora de dormir, faz-se magia negra, bebe-se sangue em copos de vinho. Interpreta-se o passado e prevê-se o futuro.
E não se dorme porque algo habita estas paredes e rouba o sono.
E acorda-se com os olhos vermelhos, com a cara inchada, com o saque sanguíneo digerido. E as paredes tombam e o ar rareia e as alucinações fazem-nos sair à varanda, puxar com força todo o ar que está na rua e tentar respirar. E com os pés no parapeito, inclinados para frente, inspiramos com pulmões infinitos, vemos o efeito do vácuo; e inclinamo-nos mais e mais e mais e queremos mais ar e inclinamo-nos tanto que fazemos equilibrismo no lancil e caímos e quando tocamos o chão a vida expira-se e o ar expira-se e a normalidade volta.
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