Pessoas da rua
Só vi pessoas que se assemelhavam a personagens de livros, pessoas tristes e felizes, pessoas que tem casa para onde voltar, pessoas reais e pessoas que só podem existir na minha imaginação. No fundo, não se eram mesmo personagens do livro que tinha andado a ler na última semana. Eram todos tão parecidos; podiam ser também personagens de outros livros que já tinha lido, anos antes, meses antes, semanas antes.
Entrei no metro na estação de Saldanha e estava um homem alto, risca ao lado e cabelo comprido sentado num banco; sentei-me ao seu lado e assaltou-me uma dúvida, onde é que eu já o tinha visto. Usava um pólo às riscas azuis, verdes e vermelho escuro, calças de bombazina vermelhas, escuras também e um casaco de fazendo grosseira, puído e descarnado nas mangas e nas bainhas. Trazia uma pasta.
Chegou o metro e as pessoas desviaram-se dele, afastaram-se entrando por outra porta que dava acesso a outra carruagem. Comecei por segui-las, mas acabei por voltar para trás, acabei por escolher um lugar que me deixava contemplar o homem à vontade. Alto como era, estava levemente encolhido sobre si mesmo, como se o medo das outras pessoas lhe pesasse nos ombros.
Saiu na estação de Entrecampos.
Vinha de casa para casa. No autocarro, longa carreira, de quarenta minutos. Reparei noutro homem, pele curtida pelo sol, áspera, como as mãos que se agarravam evitando o desequilíbrio do corpo. Sentou-se ao meu lado, do outro lado da coxia quando uma senhora se levantou. Na paragem seguinte entrou outro senhor, que se dirigiu ao primeiro perguntando-lhe pelo dinheiro que lhe devia.
Tinha uma voz nasalada, uma voz de perigo, de quem não se intimida por estar num autocarro cheio. O primeiro respondeu que se ali tivesse o dinheiro lho dava, mas que não tinha. A culpa tinha sido do outro que lhe tinha emprestado o dinheiro e que não lhe agradava que ele o andasse a expor em publico, no autocarro.
Saíram duas paragens antes da Praça do Chile, pelo vidro de trás vi uma navalha a sair e a rasgar a cara do primeiro, num lanho profundo.
Tinha-me levantado um pouco antes. Olhei em volta, as pessoas do autocarro. Qualquer uma delas de ouvidos e olhos atentos ao que se passava, mas muito pouco interessadas no desfecho.
Senti-me conivente com elas, anónimo, escroto.
Subi ao sexto andar e contemplei a rua onde costumo ver as mulheres, de noite e madrugada, aceitar e rejeitar os carros que passam.
3 Comments:
Moramos perto, vejo o mesmo cenário no meu dia-a-dia. É engraçado lê-lo por outros olhos agora. Mas bem podia ser noutra parte da cidade, noutro ponto do país. Faz impressão sentir-mo-nos coniventes. Mas há coisas que fogem ao nosso controle. Talvez por isso saiba bem escrever esse quotidiano no papel..para o conter em algum lado, em palavras.
Bjinho
VV10 antes demais, queria agradecer.te, e de certa forma emocionada, as bonitas palavras que deixaste registadas no meu (ex) espaço...sim, o blog era meu, mas a vida tem destas coisas...estou decepcionada com ela e não tenho muita vontade de continuar!! talvez um dia me refaça da angústia sentida e volte a activar o dito!!
Ao ler o teu post reparei que temos algo em comum, o 6º andar...e apesar de eu estar fora de uma urbe agitada e impessoal como a minha terra natal, que é a que retratas, também sinto esse silêncio, que em tudo, é uma forma brutal de desprezo ao que acontece à nossa volta...
bxox
pessoas do metro
embora nao o fizesse muito por via de ter transporte proprio, sempre achei interessante observar as pessoas nos transportes publicos, principalmente no metro, porque as janelas mostram-nos invariavelmente espacos escuros..
agora sou "obrigada" a andar de metro numa grande metropole, ando sempre com um livro, mas dou comigo, na maior parte do tempo a observar as pessoas, as atitudes, o que leem, em que pensam, como se vestem, etc. Este tipo de observacao faz-me construir vidas virtuais, sinto-me um realizador de curtas metragens...
por acaso ontem nao retirei o meu livro, estava so a observar perdida na construcao de argumentos fui apanhada por outro realizador...
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