Atirar pedras ao mar e fazer ricochetes
Sempre me acompanhou uma sensação de perda; não de agora, de há anos. Como se parte da minha vida me tivesse sido negada e não a conseguisse mais encontrar.
Numa noite de muito vinho, de gin, o sentimento de perda foi-se acentuando, e à medida que as horas vão passando, acentua-se cada vez mais. Uma espécie saudosa por antecipação.
Já não se contabiliza o tempo por semanas ou dias, começam as horas a tomar conta do pensamento. Sinto que tudo à minha volta se começa a estragar, o ecrã do computador, o álbum riscado, o iogurte fora da validade. Parece que as pequenas coisas dão forma à sensação da ausência, da morte interior que vai ganhando forma; começa, à minha volta, a morte a acontecer.
Ontem assinei o contrato para uma casa; uma casa que vou partilhar com mais pessoas. Uma casa que marca o início de uma nova fase, de um novo sentido na minha vida que, até agora, tinha sido totalmente desprovida de um. Comecei há pouco a ter uma noção definida daquilo que pretendo fazer, daquilo que me faz acordar todos os dias, daquilo que me faz sentar ao computador e premir as teclas. O que me faz acordar todos os dias é justamente o premir das teclas, o barulho que faz este teclado tão antigo, as ideias escritas à pressa e espalhadas em pedaços de papel na secretária, ou no banco que serve de banca de cabeceira. O som que sai distorcido das colunas pequenas, a música que me faz tremer por dentro, a mesma música triste que daqui a alguns dias vou achar insuportável.
A dor não existe por existir, a dor não existe para trazer com ela a criatividade dilaceradora e falsa. A dor existe porque faz parte do todo, porque faz sentido existir, porque está intimamente ligada – muito intimamente – ao amor. E por compreender que é o lugar dela existir, aceito-a, minimizando-a com a esperança de que se vais contabilizar o tempo por horas e não por meses e semanas.
2 Comments:
Ânimo que a vida é (mesmo muito) curta...
Se o yogurt tá estragado... tenta ter outro ;o)
Bjs e Sorte
Aquilo que nos estrutura por dentro acaba também por dar forma ao ambiente que habitamos. Se a dor domina interiormente, o mais natural é de repente olharmos à volta e ver que as coisas ganharam rugas à medida que as deixámos estar: os restos de iogurte, o computador, etc.
E no entanto há um dia que faz clique...e compreendemos que a dor faz parte do todo e que não é algo passível ou desejável de expulsar do corpo-mente...e de repente percebemos que estamos a mudar de casa, para uma etapa diferente da nossa vida.
[tens aqui um texto de profunda revolução interior, adorei ler :) beijinho]
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