Alice, meu amor
Olho à minha volta e leio inúmeras pessoas a escrever sobre o mesmo, sobre uma Lisboa impessoal e fria, com os subúrbios cheios de prédios altos e cinzentos, com pessoas encavalitadas umas em cima das outras numa promiscuidade erótica. Sobre o sentimento de pertença que se extingue aquando essa vivência comum.
Muitas vezes dou por mim a imaginar que antes de tamanhos prédios serem construídos, apenas existia ar. E antes de colocar de novo os edifícios no seu lugar, imagino as pessoas a flutuar, como se o prédio se tivesse tornado invisível; como se pudéssemos observar a sua bidimensionalidade.
As cidades grandes tornam-se impessoais por haver, no mesmo espaço físico, muitas pessoas muito diferentes. Cada qual no seu castelo de muralhas invisíveis, à distância da imaginação do próximo.
Um final sobre a dor.
A Alice perdeu-se dos pais. A Alice morreu enquanto guiava. Duas Alices tão distantes que oferecem a quem delas gosta a dor da existência.
A primeira Alice morre a guiar. Mas a morte é algo finito, algo com qual se consegue compactuar, se consegue conformar. A dor que nos dilacera o peito é abrasiva; mas vai-se suavizando até que restam só as olheiras, no fim.A segunda Alice, a Alice pequena, ainda confere alguma esperança a quem a procura. Parece transfigurar-se em todas os rostos anónimos que passam a rua lisboeta, não deixando um fim para o seu caminho, não uma folha que chegou ao fim, mas um risco de lápis que deixou de ser traçado. As olheiras foram o primeiro passo, a infinidade humana frente ao blocos gigantes de cimento, os seguintes.
1 Comments:
o que mais me impressiona para além do desencanto urbano, das referências a Carrol e da experiência obsessiva do pai é que o filme vive de histórias como a de Rui Pedro que se repetem vezes sem conta.
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