Saturday, October 22, 2005

Pele

Olho a pele enrugada das minhas mãos, olho-as como se pela primeira vez estivesse a contemplar com a devida atenção as cicatrizes coleccionadas ao longo dos anos. Olho as pequenas manchas que vão ficando, substituindo a pele que outrora foi rasgada.
Desço a correr os poucos degraus que separam a minha porta da rua, espanta-me que consiga correr assim, com os pés descalços. Sinto a chuva que cai sem piedade, a pouca chuva que vai caindo ininterruptamente a pousar nos meus ombros, no meu cabelo, vai-se a cumulando na minha pele, para descer pelos caminhos insondáveis da minha pele, escorre até aos pés; desce a chuva pela irregularidade da pele que tantas vezes pareceu perfeita, imaculada. Fecho os olhos, deixo cair das pestanas a chuva que se foi acumulando. Fecho os olhos, não quero ver o cinzento da rua, o preto do alcatrão quente que me aquece os pés. A chuva continua a cair, na sua dolência leve.

O suor é salgado; é salgado como fazer amor depois de nadar no mar. Quando se lambe a pele sente-se cada rugosidade, sente-se o sabor da pessoa, assim como quando duas línguas se tocam num serpentear de amor. Os lábios que se esmagam uns nos outros, enchendo de saliva a pele circundante à boca. O suor que escorre dos braços, da fronte, a pingar para cima do corpo que aceita isso com o peito aberto.
A pele dos seios, que sobem e descem a cada arquejar de desejo, a pele macia do amamentar materno e amoroso e erótico. As mãos a segurarem a nuca, a não libertar a cabeça do beijo. As pontas dos dedos a roçarem o pescoço, a pele a trocar-se com a pele, as barrigas coladas com o suor salgado do amor, com o desejo frenético da ansiedade.
Os corpos colados pela pele nas noites mal dormidas. Os seios esmagados pelo rosto, a carícia das mãos pelo cabelo, os murmúrios da noite.

A pele azulada da noite, manto velúdico que esconde os amantes, que os cobre com os ardis do amor.

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

e boa a pele... cada mm2, cada cicatriz nos devolve sitios, pessoas, sensações que pensavamos ja perdidas... ou simplesmente uma ferida que fizemos no dedo a trocar um pneu, num dia em que apenas desejavamos comer caracois... e tao boa a pele!!!

4:15 PM  
Blogger Alberto Oliveira said...

Um texto escrito com a experiência de vida a pingar do rosto.

2:48 PM  

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