Crónicas do Amor
À minha frente, no metropolitano, um casal de cinquenta anos beija-se apaixonadamente, como se tivessem a idade dos filhos e não lhes interessasse o resto do mundo para nada. A mão dela desliza pelas costas a assenta no rabo dele. À minha volta vejo várias pessoas chocadas e incomodadas.
Gosto pensar na gota de suor que repousava no teu mamilo à beira do suicídio. Tinha escorrido não se sabe bem de onde; tinha escorrido da tua testa, do teu pescoço, debaixo dos teus braços. Repousava no teu mamilo antes de dar o salto final, antes de cair. Gosto do sabor salgado do teu suor, das gotas que repousam nos teus mamilos.
Uma rapariga olha o telefona com o desespero adolescente de quem espera um telefonema do namorado. [Neste momento, o namorado está de certeza ocupado com outra rapariga.] Olha para o telefone que está imóvel e silencioso. [Já está à beira do suicídio, quando por acaso outro rapaz a salva. Por acaso esse rapaz é aquele empregado de balcão onde todos os dias bebe café.] Como será fazer amor com aquele rapaz? De certeza que só trabalha para ganhar dinheiro, tem um olhar tão vivo e inteligente, ainda deve estar a estudar. [Fazem amor, são felizes e têm muitos filhos, afinal trabalhava na pastelaria porque precisava de ajudar os pais; agora é um doutor muito respeitado. O ex-namorado que não lhe telefonou olha-a com infinita pena de não lhe ter dado o devido valor.] A casa está tão silenciosa. Será que o mundo parou? Os olhos estão vermelhos, de quem dormitou – então foi isso! – mas o sono não foi pacífico. [O ex-namorado que quase a levou ao suicídio, pede-lhe que volte. Ela diz que não, que vai ficar com o rapaz da pastelaria que agora é doutor.] E se tivesse que fazer essa opção? Gostava da personalidade do namorado no corpo do rapaz da pastelaria. Mas parece que não consegue dissociar um corpo de uma personalidade. Fica a pensar qual dos dois preferia. O rapaz da pastelaria é uma incógnita, sabe lá que histórias tem ele para contar. O namorado já o conhece há três anos, apesar dos defeitos, gosta muito dele. Talvez o rapaz da pastelaria sem o namorado saber. Para experimentar. O telefone toca, languidamente estende-se na cama para o alcançar,
“Sim?”
«Desculpa ter demorado tanto a ligar, estava um trânsito terrível e fiquei sem bateria.»
“Não faz mal, calculei que fosse qualquer coisa assim. Sabes, estava mesmo a pensar em ti…”
As barrigas ficaram coladas com o suor e achávamos que podíamos ficar assim durante muito tempo. Afinal não eram gotas de suor que escorregavam até aos teus mamilos; eram gotas de um choro que quem nunca tinha experimentado tamanha felicidade. E chorámos os dois e fizemos amor mansamente, numa noite em que o céu também chorava por nós.
Entre a estação de Picoas e do Marquês de Pombal, onde há ligação com a linha Azul, o metropolitano apenas durou um beijo e um apalpão para o casal de cinquenta anos que ia à minha frente, que ia à frente de muita gente.
6 Comments:
Lindíssimo.
Obrigada por teres escrito e partilhado.
Beijo
:) das coisas mais lindas que já li...parabéns e obrigada por este momento.
conheço duas pessoas que num longo beijo doce percorreram o caminho-de-ferro de sintra a lisboa.
foram felizes naquele tempo.
uau...bem! Tá lindo. Lindo. Nem sei como comentá-lo. Pormenores deliciosos. Real. Intenso. Tem cheiro e é bonito demais. Adorei.
Beijinho grande
... as histórias dentro da história, e como são diferentes as caligrafias do amor muito bem organizada esta viagem...
ousados os cinquentões!!... nessa idade serão mais avassaladoras as paixões? será o amor vivido com maior desprendimento? sem tensões?
;)
Texto simplesmente indescritível...Gostei!Esta fabuloso!
***
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