Sunday, February 27, 2005

Olhos vermelhos

Olhos vermelhos, mãos inchadas, corpo cansado. Reflexos de uma noitada. Tarde e noite fugidias, não de fado: de lareira e braseira, de bateria e guitarra, de guitarra e órgão.
A noite passada, com mais dois amigos, gravei um álbum (sorriso largo).

Olhos vermelhos de me ter deitado tarde, de ter acordado cedo. Mãos inchadas da bateria, corpo cansado, pernas doridas, a mesma razão anterior. Mas fugindo à vista do deboche alcoólico que se tornaram as minhas voltas a casa, preferi ir tocar bateria, guitarra e cantar (volta a sorrir). Curioso é, que nenhum dos instrumentos musicais atrás mencionados sei tocar, arranho as cordas da guitarra e faço barulho com a bateria. Realmente parece mesmo uma bateria, mas daquelas dos filmes de guerra, uma bateria de mísseis (uma gragalhada).

Fico sempre com esta disposição estarola quando me deito tarde e depois não consigo dormir muito. E sei que hoje ainda vou viajar, que tenho um jantar, que tenho que trabalhar de tarde, que amanhã cedo volto a trabalhar. Cantarolei, para mim, quando acordei, uma canção da Bjork, "There's more to life than this". É verdade, disso não tenho qualquer dúvida, mas assim tem sabido tão bem.

Os olhos não andam só vermelhos desta noite última que passei. Andam vermelhos das duas últimas semanas. Não de choro, nunca de choro.
De felicidade.

Friday, February 25, 2005

Táctica do Manjerico

Pressionar levemente na parte cimeira do objecto para obter o seu odor.

Antes de ir para o café estive a dormir. Um sono leve, demasiado leve.
A meio da noite tive que voltar para casa. Não aguentava mais uma noite acordado até às 3h, 4h, 5h? Não sei, já não olho para o relógio antes de me deitar, prefiro ficar na descontracção da ignorância. Mas o despertador está de ligado de muito antes, provavelmente aos primeiros golinhos de gin.

Voltei para casa, comi duas fatias de pão com manteiga e olhei para a televisão. Estava dar uma série; tentei ver, mas os olhos não obedeciam ao cérebro, sempre tão activo. Sentia-me tão apto para tudo e no entanto o meu corpo não respondia. Os olhos fechavam-se sem autorização, as pernas fraquejavam a subir para o meu primeiro andar, custava levantar o braço para lavar os dentes.

Acordei, fui trabalhar, voltei do trabalho, meti-me no carro allheio e perfiz cem quilómetros até casa, casa.
E voltei a sair e de novo sucumbi à modorra do cansaço e da conversa. Não consegui ler, os olhos bailaram nas linhas, um pasodoble quente e erótico, cheio de gestos e meneios. Olhei para o tempo a passar no rádio, os segundos que se arrastavam numa canção árabe na voz de Jane Birkin.

Sunday, February 20, 2005

Soporífero Sonhador

Hoje dormi como há muito não dormia.
Estiquei-me por toda a cama.
Sonhei com o filme de ontem à noite.
Mas a meio da noite acordei.
E depois já não sonhei mais.
Acordei já era de dia.
Hoje dormi como há muito não dormia.

A ouvir Coralie Clément.
E de manhã, para acordar, Godzuki.

Saturday, February 19, 2005

O Paraíso da Minha Mente

#1


#2


#3



Há murmúrios que embatem nas nossas cordas vocais. Lembrei-me disto, porque quando estou deitado com alguém acabo sempre por lhe murmurar ao ouvido, tornar ainda mais íntima a intimidade da nudez. Sinto muitas vezes esses murmúrios involuntários, que roçam as nossas cordas vocais, que as vibram de mansinho, como as cordas de uma viola tangidas pelo aro.
Por muito que oiçamos vozes lindas nos transístores ou válvulas dos rádios, nada consegue ser mais bonito que uma voz com contornos de bambú.

Falei do paraíso da minha mente porque, faz apenas alguns dias que estive a tirar estas fotografias. Um passeio matinal nos jardins da Fundação Gulbenkian. Apesar de ser Janeiro, estava no ar um odor primaveril que nascia nas árvores e desembocava nos pequenos lagos dispersos por todo o jardim. Ainda tentei a biblioteca, mas a rua estava tão mais apetecível, sentia-se na relva, nas árvores um chamamento élfico, uma melopeia ao amor.

Nos jardins das vozes que só eu ouvia, encontrei o meu paraíso, encontrei um caminho rápido, uma sinapse escondida que me leva a um mar de memórias às quais hei-de sempre querer ter acesso.
Encontrei a sinapse olfactiva, versão memória sensitiva.
Daí o paraiso; daí a mente.

Tuesday, February 08, 2005

Adeus a um passado recente

Há três álbuns:


Cocorosie - La Maison De Mon Rêve


Damien Rice - O


Massive Attack - Mezzanine


Não dá para explicar, só para ouvir.
Às vezes chegam a cair lágrimas. A verdade é que a cada minuto nos despedimos do passado recente, dizemos adeus a nós próprios, ao mesmo tempo que nos acenamos e cumprimentamos o futuro próximo, o seguinte segundo.
Para ouvir deitado, de mãos dadas com alguém.

Sunday, February 06, 2005

As minhas horas tardias

Deambulo por países, músicas, entrando em computadores que não conheço, retirando elementos comuns a quem está do outro lado. Também deambulei por blogs, de amigos, desconhecidos, conhecidos. Li coisas que gostei, outras que não, algo passível de acontecer a quem, por acaso ou insistência minha, aqui vier espreitar - pela fechadura, isto é um segredo
Já tive outro blog. Até gostava do nome, "Sons Mudos". Mas tornou-se numa coisa que não queria, uma espécie de bloco de post-its para deixar recados. Quando disso tomei consciência, apaguei-o, sem olhar para trás nem me arrepender. Houve quem dissesse que tinha feito mal, que até lá tinha registos interessantes. Não quis saber, disse eu na altivez da minha arrogância.

Encontro-me nestas horas tardias, na insónia semi-embriagada por dois copos de vinho, um gin tónico e duzentos mililitros de cerveja. Não consigo dormir, estou demasiado cansado para isso. Bem baixinho, fazem-me companhia os Beatles. Tenho tendência para ficar com uma disposição que requer esta música quando as insónias tomam conta de mim.

Tenho sonhado, na mesmo noite, sonhos medonhos e sonhos bons. E acordo sempre tão cansado. Passo o dia sonolento, numa modorra moribunda, numa inércia fantasmagórica. Chega a noite: saio, sem vontade, com umas canções quaisquer para ouvir no rádio até ao bar, uma estúpida distância de menos de um quilómetro. Mas faço questão. E ali estou, a conversar coisas que nem me lembro, a ficar calado porque não me apetece falar, não me apetece explicar pontos de vista, fico a ouvir.
Chego a casa, desistindo de uma noite de silêncio, de televisão por cabo nalgum ecrã gigante, para me deitar. Os lençóis têm qualquer coisa, não me deixam dormir. Um magnetismo espertino, injecções de adrenalina nocturna. Revolvo-me e à cama também. Sento-me, leio, não durmo, volto a ler.
Acabo esta escrita, à falta de melhor, releio.

Saturday, February 05, 2005

Quatro Parágrafos

Da janela do quarto onde estou vejo um pequeno olival, com florescentes trevos e fetos. Um pouco acima está uma escola primária, o seu recreio onde se experimentam os primeiros palavrões. À volta da escola estão prédios enormes, modernos, que contrastam com a simplicidade arquitectónica, uma qualquer que foi uniformizada pelo país inteiro há cinquenta anos atrás; branca e amarela.

Doloroso é quando ouvimos uma música tão intensa, não só para nós, que a vocalista chora a cantar. E o mais estranho é que parece que ela chora conosco e por nós e por ela, e cria-se uma simbiose absurdamente grande entre nós. Dá vontade de consolar e sermos consolados; o mais estranho é que não sabemos do quê. Carência? Saudades? Se calhar de tudo isso e mais algumas coisinhas que nos roem um pouco

Há um título, "Tudo é para sempre..." Pensava que era o inverso, mas não é. Porque tudo fica mesmo para sempre. Pode ser bom. Pode ser mau. Acho que simplesmente é; temos que viver com isso.

Hoje de manhã tive um sonho bom, acordei de mansinho, dentro dos lençóis.