Friday, December 31, 2004

Exorcista Sonolento, um Vilão

É a ouvir Tindersticks que me sento ao computador para escrever.
Era de manhã, hoje mesmo, há algumas horas atrás. Estava a acordar com o som da luz a entrar no meu quarto por entre os espaços da persiana. Começava a magicar ideias para escrever, coisa que regularmente faço deitado na cama; infelizmente ainda não criei o hábito de dormir ao lado de papel e caneta, às vezes penso em coisa engraçadas.
Estava eu no meu estado sonolento e pus-me a pensar num filme que há anos vi, "Devil With a Blue Dress On", uma espécie de comédia tonta a gozar com o exorcista. Lembro-me apenas de fragmentos do filme; deu-me vontade de rir, onde é que fui buscar ideia tão estranha? Ainda por cima, de algo que já vi há tantos anos.
Ontem à noite fiz pipocas, quando cheguei a casa, e alguém queixou-se do cheiro a cinema. Fui para a sala ver um filme parvo, entorpecer a mente ainda mais; parece que o que bebi ontem não tinha feito efeito. Deixei-me dormir no sofá a olhar para o nada.
Passado um pouco de sono mudei de canal, mudei para estática: estática faz-me pensar: é que se ficar a olhar fixamente, passado um pouco já consigo ver imensas coisas e isso é um exercício criativo muito bom. Não sei, sei que me levantei, não anotei ideia alguma, senti-me como o Sammy Jankis e deitei-me.
Dormi ao som de Tom Waits, deitado na cama a beber whiskey com gelo e a conversar com a Madame Bovary; conversámos sobre o tempo e como foi estranho a Terra ter mudado de eixo. Depois eu contei uma anedota ordinária e ela foi-se embora. O Tom Waits, ficou-se a rir e convidou-me para ir tocar piano com ele; passámos a noite rodeados de prostitutas bonitas e acabámos a noite - ou começámos a manhã - deitados os cinco, na relva do museu de Serralves.
Nunca mais bebo tanto whiskey, mas gostei de tocar piano, talvez grave um álbum.
Talvez.

Monday, December 27, 2004

O Vício da Destruição

Tnho ouvido um álbum em particular, que comprei há pouco: consta de cinco faixas em que uma rapariga conta experiências. É agradável guiar a ouvi-la, tem uma voz bonita, ameninada. Contrasta com a brutalidade daquilo que diz, com o terror das expressões que usa.

É tudo a preto e branco, a capa. Ela aparece e parece que está a gritar para um microfone, mas quando realmente ouvimos o álbum ela não grita. Descobri que gosto de sobrecarregar os meus sentidos. Ouço esse álbum conversado ao mesmo tempo que ouço um outro da Diamanda Galas, uma coisa relativamente antiga; quando estava a fazer o dowload não me apercebi que era uma espécie de música satânica - e logo eu que não me identifico nada com isso. Até gostei, é quase todo em francês.

E gosto de ouvir os dois juntos, porque um fala comigo ao mesmo tempo que o outro nos dá a banda sonora para a conversa, converso com a Lydia Lunch a ouvir Diamanda Galas.
Acho que ambas despertam em mim o meu ser violento: todos o somos, mas muitas vezes isso não transparece nada, nem sequer está visível. Elas clamam a minha decadência e o meu desejo de destruir, esmagar. Mas isso é tão não-eu. Mas ando com tanta vontade de ouvir essa música e de ouvir essa conversa.

Fica apresentada, esta é a Lydia:

Saturday, December 25, 2004

10 Tostões

Friday, December 24, 2004

Paranormal Acidental

Há um quarto que está sempre escuro, na minha casa. É o quarto onde estou agora. É o quarto dos computadores. Há sempre um cheiro a electricidade, uma panóplia de aparelhos que rodeiam o portátil onde escrevo. De vez em quando alguém entra e acende a luz.
Ao meu lado alguém vê o 'Memento'. Ontem à noite deixei-me ficar até o mais tarde possível. Ainda depois de chegar a casa tentei ficar acordado, de luz acesa. Sei que devia dormir, mas não queria; apetecia-me pensar. O sono acabou por me ultrapassar, e perdi os meus semi-embriagados pensamentos. Nada de mais, mas apetecia-me pensar, como se hoje já não soubesse pensar como ontem.
Dos meus sonhos não me lembro, é raro isso acontecer, mas quando me lembro sinto-me dentro de um filme realizado pelo David Lynch com argumento do Fellini. Há então uma ansiedade ao acordar, uma espécie de ressaca emocional derivada da conjunção de vários factores. Somos expostos a nú a nós próprios e fazemos ligações que doutra forma não seriam feitas, muitas vezes potenciadas por elementos exteriores às hormonas. No fundo temos medo de nós próprios, da nossa complexidade que por vezes assumimos como simples.
E fui escrevendo, no quarto que está sempre escuro, ou com a persiana fechada ou porque o dia finda agora. A escrever já ouvi Birthday Party, Charlie Chaplin, os pássaros numa praça cheia de sol de inverno que ao longo da tarde se foi tornando com sombras; ouvi os sorrisos das pessoas que comigo estavam. Ouvi os 'Amigos de Gaspar'.

O Memento passou. Há o vulto da minha irmã a dormir na cama atrás de mim, o escuro é total. Não a vejo, mas vejo-a tão bem.

Thursday, December 23, 2004

My Daydream

Às vezes deito-me no chão do meu quarto e fico a observar as nuvens no céu. Movimentam-se a uma rapidez luminosa; estou semi-morto. O quarto, numa lentidão absoluta de cinzentos reflexos.
Perco-me na velocidade das nuvens e dentro do terceiro andar o meu corpo permanece: porque é lento aqui, porque os segundos ficaram horas.
Sorrio, de fundo está a Kim Gordon a cantar para mim, maquilhagem borrada, vestido curto.
É tudo tão branco.

Sunday, December 12, 2004

Amor Grotesco

Há pessoas bonitas. Há pessoas feias.
E há pessoas bonitas-feias que exercem sobre nós uma atracção inexplicável, algo que nos abala os sentidos; ao ver tal beleza, que aos nossos olhos se torna demasiada, se torna fascinante, embriagadora, o estado de extâse é quase imediato.
Mas são grotescas, mas são lindas, mas não se percebe o que são. E inantigíveis, e intocáveis e cada vez mais lindas e cada vez mais feias e grotescas. Respirar, o ar frio a entrar, o brônquios a reagir.
O ar gélido da tarde quase escura a entrar no cérebro.
O ar quente e saturado, o fumo dos cigarros, os luzes púrpuras e pretas. O embrigado visual, as pernas a fraquejar. o respirar acima do fumo, o estímulo auditivo, a fascinação visual, o colorido escuro.

Saturday, December 11, 2004

Pós-Lisboa

Há muitos anos que deixei Lisboa. Deixei-a com vários amargos de boca, magoado.
Abandonei-a, como se abandona um álbum que ouvimos demasiadas vezes e nos cansamos, fica por ali, ao deus-dará.
Até que um dia acordamos e reconciliámo-nos com a música, com a cidade. Passados quatro anos reconciliei-me com Lisboa, com o rio, com o cheiro.
Comecei por descobrir coisas que na inocência não se descobrem; os recantos, os detalhes, os pormenores. Inspirar a cidade no jardim do Adamastor, ir ao bar dos artistas e apaixonar-me pela Audrey Hepburn. O Marlon Brando, prevertido, numa fotografia do "Apocalipse Now". Correr os miradouros com o sol a espreitar a margem sul, atravessar a ponte semi-sonolento a ouvir Lydia Lunch.

E depois, madrugar na Caparica, as roupas da noite, casacos, cheios de areia, tomar banho no mar, saborear o sal nos lábios. Fazer amor com os olhos, o peito rijo da água fria.

A minha Lisboa fantasiosa, a minha Lisboa prometida, a minha reconciliação comigo, o meu assumir de crescer e não ter medo. O meu começar pleno, o piano a baixar, a música a acabar com um fade-out lindo: eu no inverso, cada vez maior.

Friday, December 10, 2004

Me quedo aqui, solo...



Lisboa esgota-se nas minhas costas. Os topos dos prédios convergem na linha do horizonte do pôr do sol. O autocarro quente, vidros embaciados de respirações muitas. Burburinho. Há mais um estímulo, esse, sempre presente mesmo quando é só dentro de mim; acompanha-me um compêndio de músicas escolhidas pelo Pedro Almodóvar, "Viva La Tristeza!". Bando sonora perfeita para o meu estado de espírito, para os meus sentidos, de uma profundidade e intensidade em tons de vermelho e azul: escuros. Assim:



Tenho-me apaixonado por Lisboa, pelas ruas e pelos cheiros. Lembrei-me de olhar para o rio, de namorar o Bairro Alto.
(A dor, a dor, esta nascente musical que origina a dor. Sussurro de dor.)
Já não vejo Lisboa, ficou para trás. Lisboa tem saudades. A luz está a desaparecer, o cinzento do lápis está a desaparecer, a dor está a desaparecer. Apenas o espasmo momentâneo. A dor da beleza, a dor dos sentidos, essa que acompanha tudo o que é belo.
As luzes levam-me, os vermelhos, o pouco azul que resta, o vermelho, o vermelho. O semi-sono.
Deito-me entregue à minha amante incansável.

Sunday, December 05, 2004

Lip-Gloss

Hoje acordei a olhar para a janela. Já de dia, a claridade entrava e batia-me na cara. Há muito que o rádio se tinha desligado, provavelmente nem sequer me lembrei de o ligar. Não, não sou capaz de dormir sem música, é possível que estivesse ligado. Virei-me para o outro lado, se calhar tentei também virar para o b-side da minha vida, alguma música interessante num disco de vinil de 45 r p m. Estava a fugir com os olhos à claridade.

Tive que sair da cama para poder devolver aos meus ouvidos o que estava no leitor de mp3. Hum, foi uma boa escolha para dormir. Comecei com atenção e depois perdi-me. Acho que este álbum me faz sair de mim, evoca demasiados ambientes, mexe demasiado com os meus sentidos. Parece que não sou capaz de suportar tantos estímulos juntos; e ao mesmo exercem em mim uma atracção quase mórbida, mortal. Uma uma adicção auditiva.

Hoje acordei e entreguei-me aos meus sentidos. Deixei-me ir embora puxado por um fio invisível, na claridade da manhã que inundava o meu quarto. Na sinestesia matinal, um corpo inerte estava na cama, um espírito irrequieto soprava pleno de sentidos.

Friday, December 03, 2004

"Les Bas: Song Of The Drowned"

O que dará às pessoas para correrem os jardins das cidades de madrugada? Quando o vinho corre rápido nas veias, o cérebro entorpecido, as imagens em inúmeroa flashes.
Dei por mim deitado na relva, o céu era mesmo escuro, as horas eram cinco desde a meia noite. Quase sentia a neve onírica a descer sobre mim, o sono, as pancadas na cabeça, a roupa suja.
A relva estava fresca, o verde trepava-me por entre as pernas, enlaçava-me o corpo num abraço gelado, num momento de absorção total sugando todo o meu calor. Levantei-me, já neve caía de um céu estrelado. Por aqui e ali corpos estendiam-se, cada vez mais submersos. Mais e mais. E a última queda, mãos e pernas a fraquejar.